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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

ENTREVISTA AXL ROSE (PARTE I)


          O telefone tocou. Era Blake, secretário pessoal de W. Axl Rose, perguntando se eu estava pronto para uma entrevista com o arisco e polêmico líder do Guns N´Roses. Apesar de estar ocupado com outros projetos, não sou bobo de passar essa bola para outro. Mas Blake fez um pedido pouco usual: em vez de uma conversa cara a cara, Axl queria fazer a entrevista por telefone. Meio incomum, mas não problemático. Data e hora foram agendadas.
          O que se segue é a nossa conversa-maratona. Em vez de uma entrevista formal, é mais como se o leitor fosse convidado a escutar um bate-papo. Conheço Axl da mesma maneira que qualquer um pode conhecer Axl. Tenho orgulho de considerá-lo meu amigo, e por isso mesmo não tenho medo de dizer a ele o que sinto ou se ele está sendo escroto. Não, não vou publicar o número do telefone dele. Mas se você quer entrar no jogo, sente-se perto do telefone e espere pacientemente (claro que ele se atrasou para ligar; goste ou não goste dele, o homem é coerente). Imagine o telefone tocar e tire-o do gancho...

É meio estranho fazer a entrevista pelo telefone.
Você sabe porque eu quis fazer desse jeito? Algumas vezes as pessoas dizem coisas mais pesadas pelo telefone do que fariam pessoalmente. Então achei que seria legal dessa maneira, principalmente porque estou tentando manter minha privacidade. Posso fazer isso ao meu próprio espaço, e só falar.

Eu tenho cinco fitas de 100 minutos, então podemos conversar até derreter.
Certo.

Mesmo te conhecendo bem, ainda leio artigos em revistas para saber o que é dito sobre o Guns N´Roses e, em particular, sobre você. A última entrevista com alguma substância foi a de Kim Neely na Rolling Stone, mas você ainda está em todas as revistas. Leio coisas que nada têm a ver com o GN´R, artigos onde você é comparado a Adolf Hitler ou algum outro tipo de demônio, somente para pôr um tempero no artigo do jornalista.
Acho que há um grande medo do desconhecido, e o meu novo lance é "Eu sou o desconhecido".

Parece algo que o Stephen King diria. Porque você é o desconhecido, e por acaso você é assim de propósito?
Sim, parcialmente, estou tentando não me expor demais. Negatividade vende, e a mídia sabe disso. "Axl Rose é o bandido do rock´n´roll". Existe um monte de pessoas que achava que os Rolling Stones não deveriam existir, que falou merda sobre eles. Agora nós somos enormes, e parece que as pessoas que fazem mais barulho são as que não gostam de nós. Elas pegam qualquer pedra e jogam na gente. Quando leio que o Guns N´Roses é a trilha sonora perfeita para David Duke (político americano de extrema-direita, isso me machuca. Eu não estou nem aí para David Duke. Não sei nada sobre o cara, exceto que ele era membro da Klu Klux Klan, e isso é uma merda. Existe um monte de gente  que escolheu usar aquela música ("One In A Million") pelo que imaginam que o som queria dizer. Se eles detestam negros, eles vão escutar minha música e detestar os negros ainda mais, mas me desculpe, não é isso que eu quis dizer. Nossa música afeta as pessoas, e isso assusta muita gente. Penso bastante naquela música. Mais do que em qualquer outra música há muito tempo, ela trouxe à superfície certas coisas, acendendo uma discussão de como as coisas são fodidas.
Outra razão porque tenho ficado na moita é que estou tentando dar um tempo para o nosso sucesso sobreviver, e assumir responsabilidades pelo nível em que estamos. Eu não tinha energia suficiente para ficar em contato com a mídia. Em vez de ficar me relacionando com a mídia, tentava crescer em meu próprio espaço. Precisei fazer isso nos últimos anos. Levou anos para ultrapassar o sucesso de Appetite For Destruction. Eu pensava: "Por que será que as pessoas estão gostando de nós? Serão as mesmas que me detestavam?"
Existem muitas pessoas que têm medo do que pensam que eu poderia ser. Elas vêem o poder da música e das palavras, elas vêem as reações das pessoas à nossa música, e a reação natural é culpar a pessoa que faz a música. Não sou necessariamente responsável por essas reações. Eu escrevo, e a banda toca; isso vem do coração. Em nossas músicas mostramos situações em que estamos realmente fodidos, mas damos a volta por cima, e as pessoas assimilam a idéia de sobreviver aos obstáculos.
Eu estava assistindo hoje esse lance de "desmentalizar" os garotos. Tudo o que os pais sabem é que se eles vêem o filho ouvindo Ozzy Osbourne, tomando ácido e pintando cruzes de cabeça para baixo nas paredes, e os pais não sabem o que está acontecendo com ele, ou ela. Então concluem que a culpa é do Ozzy.

Então você está sendo culpado pelas cagadas da próxima geração?
Isso de acordo com os pais, ou de quem quer que seja. Existem muitas pessoas que não entendem ou não sabem manejar a rebelião de seus filhos.

É isso ai. Assumir responsabilidade pelas próprias ações e, se você tem um filho, responsabilidade pelas ações dele, é bem duro.
Especialmente uma responsabilidade que parte de nós nunca quis realmente, e que agora tem.

Porque o mundo tem uma concepção errada de você, especialmente sobre você ser um drogado?
Por acaso Bill Clinton não levou o maior cacete por ter admitido que ele experimentou maconha? Isso é besteira. O GN´R chegou ao topo da montanha escalando um monte de merda que sempre jogaram em nós. Estamos vivendo desse jeito, vivendo nossas músicas, e isso começou a nos matar. Era mudar ou morrer. Certas pessoas que viram que temos controle sobre nós próprios, controle sobre nosso físico e nossas vidas, escrevem que estamos todos sedados e previsíveis. Eles dizem que não vivemos mais no limite. Na verdade, eu estou vivendo no limite e aprendendo como domá-lo, ao invés de ser sugado.

Eu entendo o que você está dizendo, mas isso não responde a minha pergunta.
OK, primeiro, tomo vitaminas muito específicas, que ligam. Meu corpo precisa delas. Também estou envolvido em um extensivo trabalho emocional para atingir certos objetivos, e se estivesse tomando drogas pesadas isso iria interferir nesse processo. Estou fazendo vários programas de desintoxicação, para liberar as toxinas escondidas que estão lá por causa do trauma. Cheirar muita coca atrapalharia meu trabalho. Tomar drogas definitivamente interferia nesse meu trabalho.
Já fumar um pouco de erva não atrapalha muito. Atrapalha o trabalho no dia seguinte, mas algumas vezes me relaxa. Se estou pirando bem no meio de Idaho, então um pouco de maconha me ajuda a acalmar. Também, quando você deixa o palco, saindo de um mundo de muita energia para um mundo sedado, é duro. É como saltar de um penhasco com um carro, e é ai que posso queimar um pouco de fumo.

Você não fuma mais muita maconha.
Eu sei. Um ano atrás, enquanto estávamos gravando os discos, fumei muita maconha. Eu estava sofrendo muito e esse era o único jeito de me manter no ritmo para trabalhar. Era a única coisa que tirava minha cabeça dos problemas, que ajudava a manter a concentração para gravar o álbum. Ajudou a me manter naquele tempo. Agora iria interferir.

Você lembra quando se mudou para o estúdio The Record Plant e montou acampamento?
Não havia aquecimento na sala. Era frio e solitário, mas era o único lugar em que eu poderia ficar para me manter concentrado no trabalho. Era maneiro, mas também era escuro, frio e estranho! Cheguei num ponto em que algumas pessoas podiam sentir, pelo jeito como eu estava, pelo tom da minha voz, que eu não estava legal. Um amigo me trouxe alguns presentes de Natal. Outro veio sem se anunciar e ficou comigo no dia de Natal, porque eles estavam preocupados, achando que eu talvez não conseguisse segurar a barra. Eu não podia deixar o estúdio, mas também não podia voltar para casa por causa do meu vizinho. Era um pesadelo.
Era também muito louco, porque essas pessoas não sabiam nada sobre o Natal passado, quando eu estava dirigindo para casa, tentando achar alguém com drogas no caminho porque eu queria uma overdose. Sempre me lembrava do som do Hanoi Rocks, "Dead By Christmas". Já se passaram dois Natais desde então, e o Natal passado foi o melhor Natal que eu tive em 29 anos.


Por acaso o Robert (John, fotógrafo do Guns) tirou alguma foto de você lá?
Não.

Isso é chato.
Sim, é uma vergonha.

Seria uma puta foto. Essa e aquela, de quando você jogou seu piano fora através da porta de vidro que tem em sua casa.
Essas foram duas coisas que deveriam ter sido registradas. John Lennon não era tão envergonhado como eu sou. Ele mantinha uma câmera rolando o tempo inteiro.


Eu me lembro estar nos bastidores em San Diego, e você estava atrasado. As pessoas estavam muito tensas. Metade da minha preocupação era com o próprio trabalho, a outra metade era com você. Não era uma preocupação do tipo "Meu Deus, lá se foi a grana da reportagem", mas "Será que o Axl está legal?"
Nunca estive antes numa posição de ser o responsável pela renda e destino de pelo menos 60 pessoas, como acontece agora em relação ao nosso pessoal de apoio. Isso é difícil para mim. Se nós não tivéssemos feito um álbum agora, estaríamos numa turnê. Eu não teria escolhido essa responsabilidade agora. Mas não tenho muita escolha, especialmente se quero manter a minha carreira.
Gostaria de estar mais coeso emocional e mentalmente antes dessa turnê. Parte do trabalho de ser um membro do Guns N´ Roses é aparecer no palco e ser um super-homem. Nós temos que emergir acima da energia da platéia, emergir acima de qualquer coisa de ruim que tenha acontecido naquele dia, ficar acima de qualquer coisa que esteja em sua cabeça, enquanto que, ao mesmo tempo, tentando ficar acima de qualquer problema que esteja acontecendo em sua própria vida.
Quando digo que o GN´R está lutando para se manter acima, quero dizer que estamos fazendo o possível para sobreviver, e não algo como "Ei, nós somos melhores que vocês". Não quero dizer emergindo como sendo algo como alguém sedento de poder e crueldade para com o público. Tentamos ficar acima para sermos saudáveis e seguros de nós mesmos, e tentamos passar essa energia para as pessoas. É nisso em que estou trabalhando.

Me parece que está todo mundo caindo em cima de vocês por causa da sua demora em aparecer no palco.
Eu me dirigi à multidão em Phoenix e expliquei, "Talvez eu estivesse muito louco para não ter subido aqui mais rapidamente". Eles amaram isso. Talvez não pudesse me mover mais rápido porque eu estava uma merda.
Não gosto de irritar a galera por estar atrasado. Talvez lendo essa entrevista eles possam entender um pouco das coisas pela quais passo regularmente. É muito difícil, algumas vezes, subir no palco, porque sinto que não tenho como ir lá e vencer. Não subo no palco a não ser que saiba que posso vencer, e dar às pessoas retorno para e seu dinheiro. Estou lutando pela minha própria saúde mental, sobrevivência e paz. Estou me concentrando bastante em ajudar a mim mesmo, e, felizmente, posso suportar as pessoas com quem trabalho.
As pessoas me dizem que sou mimado. Sim, eu sou. Mas o que estou fazendo é para que possa realizar a minha função. Aprendi que quando acontece algum acidente com você, seu cérebro solta substâncias que ficam presas no músculo onde ocorreu o trauma. Elas ficam lá por toda a sua vida. Daí, quando você chega aos 50 anos, tem pernas ruins ou dor nas costas. Quando fica velho, é difícil carregar o mundo de coisas que manteve preso dentro do seu corpo.
Tenho trabalhado no sentido de soltar essas coisas, mas tão logo desprendemos uma coisa e o dano desaparece, algum novo músculo dói. Não é um machucado novo; é alguma velha lesão que, em função dessa minha própria sobrevivência, tive que enterrar. Quando sou massageado, não é uma coisa relaxante; é algo como uma massagem para um jogador de futebol. Tenho feito muitas coisas - terapia muscular, acupuntura, kinesiologia - quase todo dia em que estamos numa turnê.


O show sempre me pareceu como um pôquer, em que se tenta adivinhar o que Axl irá aprontar no palco. Por que isso?
Parte disso é porque o GN´R é um organismo vivo. Não é uma peça. Mesmo se eu estiver dando o mesmo pulo na mesma parte de uma música em particular, não é ensaiado. Este é o melhor meio de me expressar naquela ponte. Chego lá, e me solto. O jeito que me movo, como em "Brownstone", é a maneira de dar o melhor de mim. É como se fosse algo do tipo "Como posso dar o máximo de mim sem desistir da minha vida?" Como posso dar a vida e sair ileso disso?
Nós não entramos mais no palco como o Guns N´Roses costumava fazer, como um grupo punk - e não estou pegando no pé dos punks - pensando que se nós não estivermos vivos amanhã, tudo bem. Agora há bastante coisas dependendo do futuro e do GN´R. Como nós podemos dar tudo o que temos hoje, chegar amanhã e dar tudo de que dispomos de novo? Isso dá bastante trabalho, bastante esforço e bastante manutenção. Quando subi no palco em San Diego, tive que agradecer ao Nirvana. Usei a sua música para me inspirar. Copiei a atitude deles e subi no palco de jeans e camiseta - nunca faço isso, Fui lá e disse ao Slash que não sabia o que iria acontecer. Eu pensava que iria chegar lá e apagar. Se subo lá e não posso cantar por não ter energia, tenho que cair fora. Quando entrei no palco, a multidão emanava energia em nossa direção, e isso encheu meu tanque.
Há uma energia na multidão que, a menos que você tenha visto ou sentido, não tem como explicar. É muito amedrontador. Darby Crash (cantor da banda punk Germs, de Los Angeles) estava morrendo de medo dessa energia, e o único modo dele superar isso foi ficando completamente chapado, agindo como se ela não existisse, e mostrando que poderia fazer mais danos a ele mesmo do que qualquer um na multidão. Foi esse o modo como ele superou essa barra, mas essa atitude acabou matando Darby.



É tão estranho você ter se lembrado disso. Ontem mesmo estávamos falando de como o novo disco do Germs é legal.
Hoje estava assistindo The Decline Of Western Civilization (documentário a respeito da cena punk de Los Angeles no final dos anos 70, dirigido por Penelope Spheeris, a mesmo diretora de Quanto Mais Idiota Melhor.). Eu realmente gostava daquele cara, e me senti muito mal com sua morte.

Você sabe que alguns caras vão ler você falando em "viver no limite" e pensar que você quer dizer drogas e loucura, e todos aqueles outros clichês de Hollywood. Bom, já estou acostumado. São maneiras de lidar com a dor. Era um mecanismo de sobrevivência. Quando vejo alguém famoso dizendo "Não houve drogas em nosso caminho ao estrelato e blablablá" penso "Ei, eles se mantiveram vivos durante aquele tempo, não é? Se você não as tivesse, talvez não teria chegado lá."
Há muitas coisas que não nos ensinaram quando éramos pequenos. Existe muita dor represada ao longo desses anos. Você é ensinado a acreditar que é normal levar porrada na cabeça se você não come sua comida. Quando chega à adolescência, é tipo "Me dá uma cerveja. A vida é uma merda", Nunca poderia me ver tentando tirar de alguém o que a pessoa precisa para controlar suas emoções. Eu gostaria de mostrar às pessoas que dá para você passar por cima dessas coisas e não precisar delas nunca mais.
Não estou usando mais sexo e drogas como forma de escapismo, porque atingi um ponto em que não posso mais escapar. Não há saída. Tenho que viver com isso e encarar minha vida de frente. Eu era uma dessas pessoas que achava que não iria sobreviver ate a próxima semana. Achava que o mundo estava tão fodido e tão por baixo que atingir o sucesso não era superar tudo isso. Foi como dar a volta por cima em um monte de coisas, como o lado financeiro; aí você tem que aprender como mexer com dinheiro, porque senão você seria enterrado por isso, e ficaria muito mais deprimido.


Eu entendo o que você quer dizer.
Se você está trabalhando sem medo de chegar a alguma barreira intransponível, você pensa "foda-se". Em certos aspectos nós tivemos sorte, aqueles de nós que ainda estão vivos, que passamos por tudo isso. Há muita gente envolvida com rock´n´roll que esta fugindo de algo. Eles se envolveram com drogas e álcool para ajudar a diminuir a dor. Uma grande parte - provavelmente a maioria - dos roqueiros e fãs de metal são pessoas danificadas que estão procurando um jeito de se expressar. Eles podem se relacionar com a raiva, a dor, a frustração da banda que está dando o espetáculo... Posso te ligar de volta em meia hora?

 Claro. O que acontece?
É que eu quero comer alguma coisa...

 continua...

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