ENTREVISTA AXL ROSE (PARTE I)
O telefone tocou. Era Blake, secretário
pessoal de W. Axl Rose, perguntando se eu estava pronto para uma entrevista com
o arisco e polêmico líder do Guns N´Roses. Apesar de estar ocupado com outros
projetos, não sou bobo de passar essa bola para outro. Mas Blake fez um pedido
pouco usual: em vez de uma conversa cara a cara, Axl queria fazer a entrevista
por telefone. Meio incomum, mas não problemático. Data e hora foram agendadas.
O que se segue é a nossa
conversa-maratona. Em vez de uma entrevista formal, é mais como se o leitor
fosse convidado a escutar um bate-papo. Conheço Axl da mesma maneira que
qualquer um pode conhecer Axl. Tenho orgulho de considerá-lo meu amigo, e por
isso mesmo não tenho medo de dizer a ele o que sinto ou se ele está sendo
escroto. Não, não vou publicar o número do telefone dele. Mas se você quer
entrar no jogo, sente-se perto do telefone e espere pacientemente (claro que
ele se atrasou para ligar; goste ou não goste dele, o homem é coerente).
Imagine o telefone tocar e tire-o do gancho...
É meio estranho fazer a entrevista
pelo telefone.
Você
sabe porque eu quis fazer desse jeito? Algumas vezes as pessoas dizem coisas
mais pesadas pelo telefone do que fariam pessoalmente. Então achei que seria
legal dessa maneira, principalmente porque estou tentando manter minha
privacidade. Posso fazer isso ao meu próprio espaço, e só falar.
Eu tenho cinco fitas de 100
minutos, então podemos conversar até derreter.
Certo.
Mesmo te conhecendo bem, ainda leio
artigos em revistas para saber o que é dito sobre o Guns N´Roses e, em
particular, sobre você. A última entrevista com alguma substância foi a de Kim
Neely na Rolling Stone, mas você ainda está em todas as revistas. Leio coisas
que nada têm a ver com o GN´R, artigos onde você é comparado a Adolf Hitler ou
algum outro tipo de demônio, somente para pôr um tempero no artigo do
jornalista.
Acho
que há um grande medo do desconhecido, e o meu novo lance é "Eu sou o
desconhecido".
Parece algo que o Stephen King
diria. Porque você é o desconhecido, e por acaso você é assim de propósito?
Sim,
parcialmente, estou tentando não me expor demais. Negatividade vende, e a mídia
sabe disso. "Axl Rose é o bandido do rock´n´roll". Existe um monte de
pessoas que achava que os Rolling Stones não deveriam existir, que falou merda
sobre eles. Agora nós somos enormes, e parece que as pessoas que fazem mais
barulho são as que não gostam de nós. Elas pegam qualquer pedra e jogam na
gente. Quando leio que o Guns N´Roses é a trilha sonora perfeita para David
Duke (político americano de extrema-direita, isso me machuca. Eu não estou nem
aí para David Duke. Não sei nada sobre o cara, exceto que ele era membro da Klu
Klux Klan, e isso é uma merda. Existe um monte de gente que escolheu usar aquela música ("One In
A Million") pelo que imaginam que o som queria dizer. Se eles detestam
negros, eles vão escutar minha música e detestar os negros ainda mais, mas me
desculpe, não é isso que eu quis dizer. Nossa música afeta as pessoas, e isso
assusta muita gente. Penso bastante naquela música. Mais do que em qualquer
outra música há muito tempo, ela trouxe à superfície certas coisas, acendendo
uma discussão de como as coisas são fodidas.
Outra
razão porque tenho ficado na moita é que estou tentando dar um tempo para o
nosso sucesso sobreviver, e assumir responsabilidades pelo nível em que
estamos. Eu não tinha energia suficiente para ficar em contato com a mídia. Em
vez de ficar me relacionando com a mídia, tentava crescer em meu próprio
espaço. Precisei fazer isso nos últimos anos. Levou anos para ultrapassar o
sucesso de Appetite For Destruction. Eu pensava: "Por que será que as
pessoas estão gostando de nós? Serão as mesmas que me detestavam?"
Existem
muitas pessoas que têm medo do que pensam que eu poderia ser. Elas vêem o poder
da música e das palavras, elas vêem as reações das pessoas à nossa música, e a
reação natural é culpar a pessoa que faz a música. Não sou necessariamente
responsável por essas reações. Eu escrevo, e a banda toca; isso vem do coração.
Em nossas músicas mostramos situações em que estamos realmente fodidos, mas
damos a volta por cima, e as pessoas assimilam a idéia de sobreviver aos
obstáculos.
Eu
estava assistindo hoje esse lance de "desmentalizar" os garotos. Tudo
o que os pais sabem é que se eles vêem o filho ouvindo Ozzy Osbourne, tomando
ácido e pintando cruzes de cabeça para baixo nas paredes, e os pais não sabem o
que está acontecendo com ele, ou ela. Então concluem que a culpa é do Ozzy.
Então você está sendo culpado pelas
cagadas da próxima geração?
Isso
de acordo com os pais, ou de quem quer que seja. Existem muitas pessoas que não
entendem ou não sabem manejar a rebelião de seus filhos.
É isso ai. Assumir responsabilidade
pelas próprias ações e, se você tem um filho, responsabilidade pelas ações
dele, é bem duro.
Especialmente
uma responsabilidade que parte de nós nunca quis realmente, e que agora tem.
Porque o mundo tem uma concepção
errada de você, especialmente sobre você ser um drogado?
Por
acaso Bill Clinton não levou o maior cacete por ter admitido que ele
experimentou maconha? Isso é besteira. O GN´R chegou ao topo da montanha
escalando um monte de merda que sempre jogaram em nós. Estamos vivendo desse
jeito, vivendo nossas músicas, e isso começou a nos matar. Era mudar ou morrer.
Certas pessoas que viram que temos controle sobre nós próprios, controle sobre
nosso físico e nossas vidas, escrevem que estamos todos sedados e previsíveis.
Eles dizem que não vivemos mais no limite. Na verdade, eu estou vivendo no
limite e aprendendo como domá-lo, ao invés de ser sugado.
Eu entendo o que você está dizendo,
mas isso não responde a minha pergunta.
OK,
primeiro, tomo vitaminas muito específicas, que ligam. Meu corpo precisa delas.
Também estou envolvido em um extensivo trabalho emocional para atingir certos
objetivos, e se estivesse tomando drogas pesadas isso iria interferir nesse
processo. Estou fazendo vários programas de desintoxicação, para liberar as
toxinas escondidas que estão lá por causa do trauma. Cheirar muita coca
atrapalharia meu trabalho. Tomar drogas definitivamente interferia nesse meu
trabalho.
Já
fumar um pouco de erva não atrapalha muito. Atrapalha o trabalho no dia
seguinte, mas algumas vezes me relaxa. Se estou pirando bem no meio de Idaho,
então um pouco de maconha me ajuda a acalmar. Também, quando você deixa o
palco, saindo de um mundo de muita energia para um mundo sedado, é duro. É como
saltar de um penhasco com um carro, e é ai que posso queimar um pouco de fumo.
Você não fuma mais muita maconha.
Eu
sei. Um ano atrás, enquanto estávamos gravando os discos, fumei muita maconha.
Eu estava sofrendo muito e esse era o único jeito de me manter no ritmo para
trabalhar. Era a única coisa que tirava minha cabeça dos problemas, que ajudava
a manter a concentração para gravar o álbum. Ajudou a me manter naquele tempo.
Agora iria interferir.
Você lembra quando se mudou para o
estúdio The Record Plant e montou acampamento?
Não
havia aquecimento na sala. Era frio e solitário, mas era o único lugar em que
eu poderia ficar para me manter concentrado no trabalho. Era maneiro, mas
também era escuro, frio e estranho! Cheguei num ponto em que algumas pessoas
podiam sentir, pelo jeito como eu estava, pelo tom da minha voz, que eu não
estava legal. Um amigo me trouxe alguns presentes de Natal. Outro veio sem se
anunciar e ficou comigo no dia de Natal, porque eles estavam preocupados,
achando que eu talvez não conseguisse segurar a barra. Eu não podia deixar o
estúdio, mas também não podia voltar para casa por causa do meu vizinho. Era um
pesadelo.
Era
também muito louco, porque essas pessoas não sabiam nada sobre o Natal passado,
quando eu estava dirigindo para casa, tentando achar alguém com drogas no
caminho porque eu queria uma overdose. Sempre me lembrava do som do Hanoi
Rocks, "Dead By Christmas". Já se passaram dois Natais desde então, e
o Natal passado foi o melhor Natal que eu tive em 29 anos.
Por acaso o Robert (John, fotógrafo
do Guns) tirou alguma foto de você lá?
Não.
Isso é chato.
Sim,
é uma vergonha.
Seria uma puta foto. Essa e aquela,
de quando você jogou seu piano fora através da porta de vidro que tem em sua
casa.
Essas
foram duas coisas que deveriam ter sido registradas. John Lennon não era tão
envergonhado como eu sou. Ele mantinha uma câmera rolando o tempo inteiro.
Eu me lembro estar nos bastidores
em San Diego, e você estava atrasado. As pessoas estavam muito tensas. Metade
da minha preocupação era com o próprio trabalho, a outra metade era com você.
Não era uma preocupação do tipo "Meu Deus, lá se foi a grana da
reportagem", mas "Será que o Axl está legal?"
Nunca
estive antes numa posição de ser o responsável pela renda e destino de pelo
menos 60 pessoas, como acontece agora em relação ao nosso pessoal de apoio.
Isso é difícil para mim. Se nós não tivéssemos feito um álbum agora, estaríamos
numa turnê. Eu não teria escolhido essa responsabilidade agora. Mas não tenho
muita escolha, especialmente se quero manter a minha carreira.
Gostaria
de estar mais coeso emocional e mentalmente antes dessa turnê. Parte do
trabalho de ser um membro do Guns N´ Roses é aparecer no palco e ser um
super-homem. Nós temos que emergir acima da energia da platéia, emergir acima
de qualquer coisa de ruim que tenha acontecido naquele dia, ficar acima de
qualquer coisa que esteja em sua cabeça, enquanto que, ao mesmo tempo, tentando
ficar acima de qualquer problema que esteja acontecendo em sua própria vida.
Quando
digo que o GN´R está lutando para se manter acima, quero dizer que estamos
fazendo o possível para sobreviver, e não algo como "Ei, nós somos
melhores que vocês". Não quero dizer emergindo como sendo algo como alguém
sedento de poder e crueldade para com o público. Tentamos ficar acima para
sermos saudáveis e seguros de nós mesmos, e tentamos passar essa energia para
as pessoas. É nisso em que estou trabalhando.
Me parece que está todo mundo
caindo em cima de vocês por causa da sua demora em aparecer no palco.
Eu
me dirigi à multidão em Phoenix e expliquei, "Talvez eu estivesse muito
louco para não ter subido aqui mais rapidamente". Eles amaram isso. Talvez
não pudesse me mover mais rápido porque eu estava uma merda.
Não
gosto de irritar a galera por estar atrasado. Talvez lendo essa entrevista eles
possam entender um pouco das coisas pela quais passo regularmente. É muito
difícil, algumas vezes, subir no palco, porque sinto que não tenho como ir lá e
vencer. Não subo no palco a não ser que saiba que posso vencer, e dar às
pessoas retorno para e seu dinheiro. Estou lutando pela minha própria saúde
mental, sobrevivência e paz. Estou me concentrando bastante em ajudar a mim
mesmo, e, felizmente, posso suportar as pessoas com quem trabalho.
As
pessoas me dizem que sou mimado. Sim, eu sou. Mas o que estou fazendo é para
que possa realizar a minha função. Aprendi que quando acontece algum acidente
com você, seu cérebro solta substâncias que ficam presas no músculo onde
ocorreu o trauma. Elas ficam lá por toda a sua vida. Daí, quando você chega aos
50 anos, tem pernas ruins ou dor nas costas. Quando fica velho, é difícil
carregar o mundo de coisas que manteve preso dentro do seu corpo.
Tenho
trabalhado no sentido de soltar essas coisas, mas tão logo desprendemos uma
coisa e o dano desaparece, algum novo músculo dói. Não é um machucado novo; é
alguma velha lesão que, em função dessa minha própria sobrevivência, tive que
enterrar. Quando sou massageado, não é uma coisa relaxante; é algo como uma
massagem para um jogador de futebol. Tenho feito muitas coisas - terapia
muscular, acupuntura, kinesiologia - quase todo dia em que estamos numa turnê.
O show sempre me pareceu como um
pôquer, em que se tenta adivinhar o que Axl irá aprontar no palco. Por que
isso?
Parte
disso é porque o GN´R é um organismo vivo. Não é uma peça. Mesmo se eu estiver
dando o mesmo pulo na mesma parte de uma música em particular, não é ensaiado.
Este é o melhor meio de me expressar naquela ponte. Chego lá, e me solto. O
jeito que me movo, como em "Brownstone", é a maneira de dar o melhor
de mim. É como se fosse algo do tipo "Como posso dar o máximo de mim sem
desistir da minha vida?" Como posso dar a vida e sair ileso disso?
Nós
não entramos mais no palco como o Guns N´Roses costumava fazer, como um grupo
punk - e não estou pegando no pé dos punks - pensando que se nós não estivermos
vivos amanhã, tudo bem. Agora há bastante coisas dependendo do futuro e do
GN´R. Como nós podemos dar tudo o que temos hoje, chegar amanhã e dar tudo de
que dispomos de novo? Isso dá bastante trabalho, bastante esforço e bastante
manutenção. Quando subi no palco em San Diego, tive que agradecer ao Nirvana.
Usei a sua música para me inspirar. Copiei a atitude deles e subi no palco de
jeans e camiseta - nunca faço isso, Fui lá e disse ao Slash que não sabia o que
iria acontecer. Eu pensava que iria chegar lá e apagar. Se subo lá e não posso
cantar por não ter energia, tenho que cair fora. Quando entrei no palco, a
multidão emanava energia em nossa direção, e isso encheu meu tanque.
Há
uma energia na multidão que, a menos que você tenha visto ou sentido, não tem
como explicar. É muito amedrontador. Darby Crash (cantor da banda punk Germs,
de Los Angeles) estava morrendo de medo dessa energia, e o único modo dele
superar isso foi ficando completamente chapado, agindo como se ela não
existisse, e mostrando que poderia fazer mais danos a ele mesmo do que qualquer
um na multidão. Foi esse o modo como ele superou essa barra, mas essa atitude
acabou matando Darby.
É tão estranho você ter se lembrado
disso. Ontem mesmo estávamos falando de como o novo disco do Germs é legal.
Hoje
estava assistindo The Decline Of Western Civilization (documentário a respeito
da cena punk de Los Angeles no final dos anos 70, dirigido por Penelope
Spheeris, a mesmo diretora de Quanto Mais Idiota Melhor.). Eu realmente gostava
daquele cara, e me senti muito mal com sua morte.
Você sabe que alguns caras vão ler
você falando em "viver no limite" e pensar que você quer dizer drogas
e loucura, e todos aqueles outros clichês de Hollywood. Bom, já estou
acostumado. São maneiras de lidar com a dor. Era um mecanismo de sobrevivência.
Quando vejo alguém famoso dizendo "Não houve drogas em nosso caminho ao
estrelato e blablablá" penso "Ei, eles se mantiveram vivos durante
aquele tempo, não é? Se você não as tivesse, talvez não teria chegado lá."
Há
muitas coisas que não nos ensinaram quando éramos pequenos. Existe muita dor
represada ao longo desses anos. Você é ensinado a acreditar que é normal levar
porrada na cabeça se você não come sua comida. Quando chega à adolescência, é
tipo "Me dá uma cerveja. A vida é uma merda", Nunca poderia me ver
tentando tirar de alguém o que a pessoa precisa para controlar suas emoções. Eu
gostaria de mostrar às pessoas que dá para você passar por cima dessas coisas e
não precisar delas nunca mais.
Não
estou usando mais sexo e drogas como forma de escapismo, porque atingi um ponto
em que não posso mais escapar. Não há saída. Tenho que viver com isso e encarar
minha vida de frente. Eu era uma dessas pessoas que achava que não iria
sobreviver ate a próxima semana. Achava que o mundo estava tão fodido e tão por
baixo que atingir o sucesso não era superar tudo isso. Foi como dar a volta por
cima em um monte de coisas, como o lado financeiro; aí você tem que aprender
como mexer com dinheiro, porque senão você seria enterrado por isso, e ficaria
muito mais deprimido.
Eu entendo o que você quer dizer.
Se
você está trabalhando sem medo de chegar a alguma barreira intransponível, você
pensa "foda-se". Em certos aspectos nós tivemos sorte, aqueles de nós
que ainda estão vivos, que passamos por tudo isso. Há muita gente envolvida com
rock´n´roll que esta fugindo de algo. Eles se envolveram com drogas e álcool
para ajudar a diminuir a dor. Uma grande parte - provavelmente a maioria - dos
roqueiros e fãs de metal são pessoas danificadas que estão procurando um jeito
de se expressar. Eles podem se relacionar com a raiva, a dor, a frustração da
banda que está dando o espetáculo... Posso te ligar de volta em meia hora?
Claro. O que acontece?
É
que eu quero comer alguma coisa...
continua...
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